Resumo

A produção de comida de verdade tem origem e identidade, traz no seu percurso uma ligação com a história sociocultural de um território e de um povo, reflete os modos de vida das pessoas e a biodiversidade local, sendo produzida por quem sabe o valor da terra e do alimento. À vista disso, agricultores familiares agroecológicos, apresentam-se como instrumento para reverter o sistema agroalimentar para modelos de produção de bases sustentáveis, caracterizando-se como resistentes e resilientes ao fornecer à sociedade alimentos saudáveis, diversificados e nutritivos.

Enquanto o agronegócio comemora os resultados surpreendentes de aumento da produtividade na produção de grãos nas últimas décadas e conquista a marca de maior produtor e exportador de soja mundialmente, os números da fome e insegurança alimentar crescem substancialmente. Soma-se a isso, a predominância de um padrão alimentar determinado e dominado pela indústria agroalimentar (MALUF, 2020). Frente à problemática, a presente pesquisa visa analisar as ameaças à produção familiar de alimentos agroecológicos perante a expansão do monocultivo da soja em Santana do Livramento/RS.

Os sistemas alimentares consistem em todos os elementos (ambiente, pessoas, insumos, processos, infraestruturas, instituições, empresas, organizações públicas e privadas) e atividades relacionados à produção, processamento, distribuição, preparação e consumo de alimentos e aos resultados dessas atividades (RASTOIN; GHERSI, 2010). A evolução dos sistemas alimentares trouxe aumentos sem precedentes da produção e da riqueza, mas emergiram preocupações relativas às externalidades, suscitando questões sobre a sustentabilidade do modelo atual de agricultura (SABOURIN et al., 2022).

Metodologicamente, a pesquisa possui abordagem qualitativa, caráter exploratório e descritivo e método de estudo de caso. As técnicas de coleta de dados utilizadas foram: entrevistas semiestruturadas e observação não participante. Realizou-se 14 entrevistas, nove com agricultores familiares agroecológicos e cinco com agentes de desenvolvimento. Enquanto técnica de análise, empregou-se a análise de conteúdo e as percepções anotadas e descritas no diário de campo.

Verificou-se que as principais ameaças vivenciadas pelos agricultores familiares agroecológicos são: o preconceito à mulher; a escassez de mão de obra qualificada; a falta de reconhecimento dos consumidores; a proximidade com os monocultivos que utilizam agrotóxicos; a precária situação das estradas rurais; a carência de incentivos públicos; e a baixa valorização em relação à produção de alimentos no sistema de produção agroecológico.

Ainda que a agricultura familiar agroecológica de Santana do Livramento contribua para a produção e abastecimento de alimentos saudáveis e sustentáveis, bem como para a manutenção da biodiversidade e qualidade de vida da população local, há significativos obstáculos vivenciados. Os entraves elencados evidenciam a urgência de reflexões e ações em prol do tipo de alimento que se deseja consumir e do modelo de produção a fomentar e valorizar, em defesa de um sistema agroalimentar mais justo, responsável e sustentável.

MALUF, R. Tempos sombrios de pandemia e fome: responsabilidades da pesquisa em soberania e segurança alimentar e nutricional. Segurança Alimentar e Nutricional, Campinas, v. 27, p. 1-5, 2020. RASTOIN, J-L.; GHERSI, G. Le système alimentaire mondial. Concepts et méthodes, analyses et dynamiques. [S.l.]: Quae, 2010, p. 565. SABOURIN, E. Abordagens em termos de sistemas alimentares e território no Brasil. In: GRISA, C. et al. Sistemas alimentares e territórios no Brasil. 1. ed. Porto Alegre: UFRGS, 2022.