Reumo
Introdução
No Brasil, estima-se que 90% de mulheres trans e travestis utilizam da prostituição, de forma compulsória para obtenção de fonte primária de renda, considerando que o mercado de trabalho formal não as contratam por preconceitos enraizados na cultura das organizações (Benevides, 2024). As empresas se comprometem de maneira superficial com a inclusão da diversidade nos espaços laborais, havendo a necessidade da inclusão das demandas de pessoas trans e travestis nas políticas de gestão da diversidade organizacional.
Segundo Benevides (2024), diversos espaços sociais são negados e reproduzem a invisibilidade e o apagamento de pessoas trans e travestis no país, incluindo o empreendedorismo (Círico, Galvão & Nova, 2024) onde pessoas trans e travestis também são invisibizadas, como identificado na literatura sobre empreendedorismo de corpos dissidentes.
Assim, considerando o aumento da utilização das mídias sociais para práticas empreendedoras, incluindo o TikTok, apresentamos a seguinte questão-problema: quais são as interseccionalidades que atravessam mulheres trans e travestis que estão presentes no empreendedorismo digital na plataforma do TikTok? Além disso, questionamos: qual é o perfil dos seus empreendimentos nessa plataforma? Para responder as problemáticas, objetivamos analisar as interseccionalidades presentes em mulheres transgêneras e travestis empreendedoras digitais que atuam na plataforma TikTok no Brasil, e o impacto dos seus atravessamentos em seus empreendimentos.
Fundamentação Teórica
A lente teórica utilizada é a da Interseccionalidade que, de acordo com Akotirene (2019) trata-se de sistemas de opressão que se interligam e se sobrepõem, impactando negativamente na vida de cada indivíduo. Crenshaw (1989), que cunhou o termo “interseccionalidade” analisou as interseções entre gênero e raça em mulheres negras e identificou que as opressões (sexismo e racismo) se interligavam na experiência das mulheres negras e em suas trajetórias. Portanto, cabe destacar que, a luz dessa teoria, mulheres trans e travestis negras possuem maiores atravessamentos e desafios na sociedade, por serem identidades femininas, não-cisgêneras e negras (Nascimento, 2021).
Metodologia
Trata-se de um estudo de natureza descritiva e exploratória, com abordagem qualitativa de pesquisa. Para o desenvolvimento do estudo, a partir da Teoria da Interseccionalidade (Crenshaw, 1989) foram analisados perfis de mulheres trans e travestis na platorma digital TikTok, objetivando compreender as características pessoais e empreendedoras das pessoas investigadas. O contexto delimitado na pesquisa foi o Brasil, considerando que é o país mais transfóbico em todo o mundo há 15 anos consecutivos (Benevides, 2024).
Para as buscas dos perfis na plataforma TikTok, foram utilizados os descritores “mulher trans” e “travesti” e analisados os perfis resultantes destas buscas. Na sequência foram selecionados os perfis ativos, com o critério de vídeos publicados em 2024. Ao todo, foram selecionados 18 perfis que foram analisados por meio da ferramenta Tokcounter que apresenta métricas de engajamento de cada perfil do TikTok, tais como, I) quantidade de seguidores; II) total de curtidas no perfil, referente a somatória de curtidas de todos os vídeos publicados e, III) total de vídeos publicados no perfil.
Análise e Discussão dos Resultados
Quanto aos resultados, a teoria da interseccionalidade nos ajudou a idenfiticar 6 categorias de análise, além disso, identificamos a existência do atravessamento interseccional entre identidades de gênero, modalidade de gênero e raça, uma vez que as mulheres trans e, principalmente, as travestis negras, são as que possuem menor engajamento e apoio nos vídeos, com menor número de seguidores e curtidas no perfil, consequência do cissexismo, transfobia e do racismo, opressões estruturais na sociedade brasileira que não visualiza pessoas trans e travestis atuando em outros espaços, para além da prostituição.
Portanto, o fato de mulheres trans e travestis estarem empreendendo digitalmente no TikTok é um rompimento com barreiras e estigmas sociais sobre os seus corpos, contribuindo para a criação de outros imagéticos sociais no campo do empreendorismo e do trabalho formal para pessoas trans e travestis.
Considerações Finais
O objetivo do nosso estudo foi analisar as interseccionalidades presentes no empreendedorismo digital de mulheres transgêneras e travestis que atuam na plataforma TikTok no Brasil e o impacto dos seus atravessamentos em seus empreendimentos. Para isso, utilizamos como teoria de base a Interseccionalidade, apresentando 6 categorias que emergiram a partir da revisão da literatura e da coleta de dados, no tocante aos marcadores sociais da diferença das empreendedoras, que por elas foram mencionados em vídeos publicados na plataforma, bem como, analisado as características e métricas dos empreendimentos digitais, referente a, I) Identidade de gênero da empreendedora; II) Raça; III) Nicho; IV) Quantidade de seguidores, V) Total de curtidas no perfil; VI) Total de vídeos públicados.
O estudo inovou ao apresentar uma abordagem de análise analítica sobre as características pessoais e o perfil do empreendimento digital de grupos minorizados, a partir da lente teórica da interseccionalidade, que permitiu identificar os atravessamentos que cada pessoa empreendedora possui a depender das características pessoais e quais são os impactos no campo do empreendedorismo de corpos dissidentes. Adicionalmente, destaca-se que estudo contribuiu para a expansão da literatura sobre empreendedorismo e inovação associados a plataformas de streamer e criação de conteúdos digitais.
A limitação refere-se a análise de apenas uma plataforma digital. Assim, sugere-se que estudos futuros possam analisar multi-plataformas digitais e com foco, além de pessoas trans e travestis, incluindo Pessoas com Deficiência (PcD) cisgêneras, mulheres negras, amarelas e indígenas, além do empreendedorismo de mães solo, mulheres com mais de 50 anos de idade, e empreendedorismos de mulheres do campo e que compartilham suas rotinas empreendedoras nas mídias sociais.
Referências
Akotirene, Carla. (2019). Interseccionalidade. São Paulo: Pólem.
Benevides, Bruna (2024). Dossiê: assassinatos e violências contra travestis e transexuais brasileiras em 2023. Brasília: Distrito Drag.
Círico, J., Galvão, A. A., & Nova, S. P. D. C. C. (2024). Mapeamento das características do empreendedorismo transgênero no Brasil: um olhar para a Plataforma EmpoderaTrans. Navus-Revista de Gestão e Tecnologia, 14.
Crenshaw, Kimberlé Williams. (1989). Demarginalizing the Intersection of Race and Sex: A Black Feminist Critique of Antidiscrimination Doctrine, Feminist Theory, and Antiracist Politics. University of Chicago Legal Forum, 538-554.
Nascimento, Letícia. (2021). Transfeminismo. Editora Jandaíra.