Reumo
Este estudo realiza uma análise da governança hídrica nos municípios do estado de São Paulo, utilizando o Índice de Efetividade da Gestão Municipal (IEGM) como ferramenta central de avaliação. Com foco no componente ambiental do IEGM, conhecido como I-Amb, o estudo examina como os municípios planejaram, implementaram e monitoraram as políticas de saneamento básico e gestão de recursos hídricos. Desenvolvido pelo Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCE-SP), o I-Amb avalia as práticas de gestão ambiental, desde a existência de planos de saneamento até a eficácia na implementação de metas relacionadas ao abastecimento de água, coleta e tratamento de esgoto, e manejo de águas pluviais.
A relevância deste trabalho está no fato de que, historicamente, a água foi vista como um recurso ilimitado, renovável e de fácil acesso. No entanto, a industrialização e urbanização rápidas a partir do século XIX alteraram essa percepção. O crescimento populacional, aliado à expansão das atividades industriais, trouxe à tona problemas críticos, como a poluição dos corpos d'água e a crescente escassez de água em diversas regiões. Além disso, os impactos das mudanças climáticas, que intensificam a ocorrência de eventos extremos como inundações e secas, trouxeram desafios adicionais à gestão urbana dos recursos hídricos, tornando a governança hídrica um tema central tanto no debate acadêmico quanto na formulação de políticas públicas.
A Lei nº 9.433/1997, que institui a Política Nacional de Recursos Hídricos no Brasil, formalizou a importância de uma governança descentralizada e participativa, colocando os municípios em uma posição crucial na gestão local da água. No entanto, a capacidade dos municípios paulistas para planejar e implementar políticas eficazes de saneamento básico e gestão hídrica varia significativamente, refletindo disparidades em termos de recursos financeiros, técnicos e institucionais disponíveis.
Para realizar essa análise, foram utilizados dados fornecidos pelo Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCE-SP), com foco específico no Índice Ambiental (I-Amb), parte integrante do Índice de Efetividade da Gestão Municipal (IEGM). O IEGM avalia as políticas públicas dos municípios paulistas em diversas áreas, como Planejamento, Fiscal, Ambiental, Governo e Tecnologia, Educação, Saúde e Gestão das Cidades, abrangendo todos os 644 municípios do estado, exceto a capital, São Paulo, auditada por corte de contas municipal. A pesquisa concentrou-se no I-Amb, especialmente nas questões relacionadas ao Planejamento Municipal ou Regional de Saneamento Básico, investigando a existência, publicação e implementação de planos de saneamento, bem como metas para abastecimento de água, coleta e tratamento de esgoto, drenagem e manejo de águas pluviais. Apesar da abrangência, foram identificadas limitações, como a possível incompletude das respostas fornecidas pelos representantes do Poder Executivo. Os dados analisados foram coletados em 2023 e refletem as condições do exercício de 2022.
A análise revelou que, dos 644 municípios paulistas, 540 (83,85%) declararam possuir um Plano Municipal ou Regional de Saneamento Básico, enquanto 104 (16,15%) não possuem tal plano. A ausência de planos é mais comum em municípios de pequeno porte, com 59% dos que não possuem plano apresentando uma população inferior a 10.000 habitantes. Isso sugere dificuldades relacionadas à escassez de recursos financeiros, técnicos e humanos. A presença de planos de saneamento aumenta à medida que a população dos municípios cresce, refletindo maior capacidade de planejamento e implementação em cidades maiores.
Além de investigar a existência de planos de saneamento, o estudo examinou os instrumentos normativos utilizados para regulamentá-los. Cerca de 79,3% dos planos são regulamentados por leis municipais, enquanto outros municípios relataram a existência de decretos, portarias ou normas ainda pendentes de aprovação. Houve uma intensificação na criação de instrumentos normativos ao longo da última década, particularmente em 2015, 2018 e 2019, refletindo uma resposta às novas exigências legais impostas por outros entes federativos.
Outro ponto central do estudo é a análise das metas estabelecidas nos planos de saneamento. As metas para o abastecimento de água potável estão presentes em 91% dos municípios, enquanto 90,2% estabeleceram metas para coleta de esgoto e 89,6% para tratamento de esgoto. No entanto, as metas para drenagem e manejo de águas pluviais são menos difundidas, presentes em apenas 70,4% dos municípios. Essa disparidade aponta para uma lacuna significativa no planejamento e execução das políticas relacionadas ao manejo de águas pluviais, componente crucial da infraestrutura urbana, especialmente em um cenário de mudanças climáticas que aumenta a frequência e intensidade de eventos extremos.
O estudo também analisa a implementação e o monitoramento dessas metas. Enquanto 87,8% dos municípios priorizam a redução de perdas na distribuição de água e 84,1% buscam expandir o serviço de abastecimento, aspectos como a regulação dos direitos e deveres dos usuários e o estabelecimento de volumes mínimos de abastecimento são menos abordados. O monitoramento das metas estabelecidas é realizado por 72,9% dos municípios, um indicador de comprometimento com a transparência dos planos de saneamento. Contudo, desafios significativos ainda permanecem, incluindo a falta de recursos financeiros, escassez de pessoal qualificado e atrasos em processos licitatórios.
Em relação aos órgãos responsáveis pela regulação e fiscalização dos serviços de saneamento, a pesquisa identifica uma diversificação de entidades envolvidas, variando de companhias estaduais, como a SABESP e a ARSESP, a agências reguladoras locais e comitês de bacia. A SABESP, por exemplo, desempenha importante papel na regulação do abastecimento de água e esgoto em muitos municípios, enquanto a gestão das águas pluviais tende a ser mais descentralizada, com maior participação local.
A conclusão do estudo destaca que, embora a maioria dos municípios paulistas possua algum nível de planejamento para a gestão hídrica, a qualidade e abrangência desses planos variam amplamente. Municípios menores enfrentam maiores desafios, principalmente devido a limitações orçamentárias, falta de pessoal capacitado e dificuldades na aprovação de legislação adequada. O estudo enfatiza a necessidade de maior cooperação entre diferentes esferas de governo e de uma articulação mais efetiva entre o planejamento local e as exigências regulatórias estaduais e federais. Apenas através de um esforço coordenado será possível superar as limitações atuais e promover a sustentabilidade dos recursos hídricos, assegurando melhor qualidade de vida em todas as regiões do estado de São Paulo.