Reumo
A emergência climática é um dos maiores desafios contemporâneos, com grandes consequências para as sociedades e os ecossistemas. O relatório do IPCC de 2014 (IPCC, 2014) já previa eventos climáticos extremos em todo o planeta. Ele enfatizava a importância de incorporar aspectos sociais e educacionais na resposta à emergência climática, ampliando a abordagem hegemônica anteriormente baseada em dados de ciência do clima. Nessa direção, a Educação Ambiental (EA) possui papel fundamental. Muito além de um instrumento educativo, a EA é um movimento transformador que pode moldar atitudes e comportamentos entre a humanidade e o meio ambiente. Conforme a UNESCO (2005, p. 44), “educação ambiental é uma disciplina bem estabelecida que enfatiza a relação dos homens com o ambiente natural, as formas de conservá-lo, preservá-lo e de administrar seus recursos adequadamente”. Uma educação que explora a interconexão das mudanças climáticas com a ação humana gera pensamento sistêmico, holístico, e consciência da diversidade da natureza, das culturas e dos conhecimentos. Isso exige repensar os sistemas econômicos, priorizando a sustentabilidade e o bem-estar. Esses preceitos definem a abordagem para a educação climática sugerida pelo guia “Greening the Curriculum”, lançado pela UNESCO em 2024 (UNESCO, 2024). Freire (2009, p. 63) descreve que “a educação tem a responsabilidade de criar consciências críticas, e esta responsabilidade se manifesta quando o educador estimula ao mesmo tempo a curiosidade do estudante e a sua criatividade”.
O teatro aplicado, onde a linguagem artística é utilizada para outros fins sociais, é uma ferramenta amplamente utilizada para estes fins pedagógicos. Para Araújo e Pasquarelli-Filho (2013), o teatro tem um grande potencial para a EA de uma perspectiva complexa e emancipatória, estimulando o entretenimento e a reflexão, facilitando a compreensão do mundo ao seu redor devido a suas características de comunicação. O teatro imersivo é uma estética contemporânea que se apresenta em formatos diversos, sempre baseado em algum grau de envolvimento ativo do público na encenação. Ele emergiu nos últimos anos como um poderoso instrumento para sensibilizar e engajar estudantes. Embora estudos na área ainda sejam incipientes, o teatro imersivo e participativo acentua seu potencial educativo. O Teatro do Oprimido de Boal (1998) já despontava como uma prática que permite a conscientização social por meio da participação ativa.
O presente estudo explora o uso do teatro imersivo na EA, analisando o caso pioneiro no Brasil do projeto “Escola do (Im)possível”, desenvolvido pela startup Platô Cultural desde 2021, inicialmente na cidade de São José, em Santa Catarina. Com a finalidade de criar uma abordagem teórica e prática acerca da temática, analisamos o teatro como a possibilidade eficiente de agente facilitador no processo de aprendizagem. O projeto faz uso de uma metodologia própria, denominada “Aventuras de Aprendizagem”, para tratar de mudanças climáticas com crianças do ensino fundamental. Esta abordagem é baseada em teatro imersivo, utilizando suas premissas clássicas, como storytelling e imersão, integrado a novas tecnologias e metodologias ativas para promover uma aprendizagem significativa e interativa sobre os efeitos da crise climática. Sua imersão centra-se no protagonismo do aluno, que possui um personagem e uma ação clara que interfere na narrativa ficcional, com acesso à imersão tecnológica através de ambientes em RA e interações digitais com os personagens.
Nossa metodologia segue um estudo de caso único, analisando a edição piloto do projeto “Escola do (Im)possível”. Seus resultados foram apresentados em um relatório de impacto (2021), seguindo parâmetros da Base Nacional Curricular Comum e do modelo de avaliação proposto pela organização Americans for the Arts (2017), que analisa indicadores e resultados em 6 áreas (Conhecimento, Discurso, Atitudes, Capacidade, Ação e Condições). Os dados foram produzidos por meio de observação participante, entrevistas semiestruturadas com a comunidade escolar e análise documental. Seguimos a técnica de análise de conteúdo, buscando identificar as principais contribuições do teatro imersivo para a EA.
Os resultados indicam que a abordagem artístico-pedagógica adotada pelo projeto promoveu um alto nível de engajamento dos alunos, evidenciado pelo aumento do interesse discursivo e atitudinal no enfrentamento das mudanças climáticas. Além disso, a integração entre arte e tecnologia ampliou o alcance e a eficácia das atividades, permitindo que os alunos explorassem de maneira criativa as implicações das mudanças climáticas. A imersão sensorial e emocional proporcionada pelo teatro facilitou uma compreensão mais profunda dos conteúdos, transformando o agenciamento dos alunos com a realidade e estimulando ações cidadãs em suas comunidades de forma lúdica, positiva e leve. Como resultado, destacamos que a experiência da “Escola do (Im)possível” reforça a relevância do teatro imersivo como uma ferramenta viável e eficaz no diálogo transversal com a educação formal e a EA, sobretudo quando combinado com metodologias ativas e novas tecnologias. Este estudo contribui para o debate sobre práticas inovadoras na EA, sugerindo que o uso do teatro imersivo pode ser ampliado e adaptado a outros contextos educacionais.
REFERÊNCIAS
AMERICANS FOR THE ARTS. Continuum of Impact. 2017. Disponível em: http://animatingdemocracy.org/continuum-impact-guide. Acesso em 15 janeiro de 2022.
ARAUJO, A.F.; PASQUARELLI, V.J. Teatro e Educação Ambiental: um estudo sobre ambiente, expressão estética e emancipação. Revista Eletrônica do Mestrado em Educação Ambiental (Remea), v. 18, 2013.
BOAL, A. O teatro do oprimido e outras poéticas políticas. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1998.
FREIRE, P. Pedagogia da solidariedade: América Latina e educação popular. Indaiatuba: Villa das Letras, 2009.
IPCC. Climate Change 2014: Impacts, Adaptation and Vulnerability - Synthesis Report. A Report of the Intergovernmental Panel on Climate Change. Contribution of Working Groups I, II and III to the Sixth Assessment Report of the Intergovernmental Panel on Climate Change. In: Field, C. B. et al. (Eds.). Organização Meteorológica Mundial (World Meteorological Organization, WMO), Genebra, Suíça, 2014.
PLATÔ CULTURAL. School of the (Im)possible: continuum of impact assessment report. São José: Platô Cultural, 2021.
UNESCO. Década das Nações Unidas da Educação para um Desenvolvimento Sustentável, 2005-2014: documento final do esquema internacional de implementação. Brasília: UNESCO, 2005.
UNESCO. Greening curriculum guidance: teaching and learning for climate action. UNESCO, 2024. Disponível em https://www.unesco.org/en/education-sustainable-development/greening-future/curriculum. Acesso em: 28 ago 2024.