Reumo
As grandes transformações culturais e demográficas ocorridas ao longo do século XX foram fundamentais para a inserção crescente das mulheres no mercado de trabalho, ampliação de direitos civis e ressignificação do papel feminino na sociedade (GOLDIN, 2004). Nesse contexto, ao adotar uma atividade remunerada fora do lar, a mulher desassocia-se da arcaica construção cultural que a confina a um posto exclusivo do ambiente doméstico. A atividade remunerada também confere às mulheres uma condição de maior poder no arranjo familiar, em função da independência financeira conquistada e o ato de contribuir para o orçamento doméstico (MELO e THOMÉ, 2018).
Quando se trata de empreendedorismo, as mulheres desempenham um importante papel, sobretudo no que se refere ao crescimento econômico e social nos seus países e comunidades locais. Sejam motivadas pela identificação de oportunidades de negócio ou pela necessidade em função de barreiras econômicas e sociais, empreendedoras estão desenvolvendo negócios de alta performance e alto impacto que impulsionam a geração de renda, de emprego e a promoção do bem-estar social. Em 2021, em média 10,4% das mulheres e 13,6% dos homens estavam envolvidos em negócios em estágio inicial no mundo (GEM, 2022). Entretanto, as mulheres enfrentam desigualdades no ambiente familiar carregando um fardo mais pesado de responsabilidades domésticas que acentuam estereótipos de gênero e podem ser nocivos para a atividade empreendedora. O empreendedorismo surge como uma importante alternativa de inserção para mulheres em condições de vulnerabilidade que enfrentam a escassez de oportunidades no mercado de trabalho formal. Assim, o empreendedorismo feminino constitui uma ferramenta para a independência financeira de mulheres que necessitam conciliar de forma mais flexível as responsabilidades familiares com a atividade remunerada.
Nesse sentido, busca-se neste estudo analisar o perfil do empreendedorismo feminino no Brasil, as motivações, tendências e os desafios na atividade empreendedora. Ademais, pretende-se verificar se as desigualdades existentes no mercado de trabalho e na atividade empreendedora configuram um entrave para o alcance de condições plenamente igualitárias.
Metodologia
Com o intuito de atender aos objetivos propostos pela pesquisa, a abordagem metodológica adotará uma natureza descritiva e exploratória. Essa escolha se fundamenta na intenção de detalhar o fenômeno do empreendedorismo feminino e o perfil das mulheres envolvidas nessa atividade, permitindo, dessa maneira, formular uma análise crítica dos principais desafios e disparidades de oportunidades vivenciadas por este grupo.
Quanto aos dados coletados, será dada ênfase ao relatório do Global Entrepreneurship Monitor (GEM, 2022) - que explora o nível e características da atividade empreendedora em vários países -, a PNAD-Contínua (IBGE, 2023) e pesquisas complementares do Data Sebrae (GRECO, 2022; GRECO, 2023; SEBRAE, 2023; SEBRAE-SP, 2014), que se apoia nos microdados da PNAD-Contínua (IBGE, 2023).
Análise e Discussão Dos Resultados
A pesquisa mostrou que o empreendedorismo feminino é marcado pela prevalência de empresas de menor porte, lucratividade reduzida e crescimento mais lento em comparação aos negócios gerenciados por homens. Entretanto, esse fator não deve ser relacionado a inferiores aptidões naturais femininas na identificação e capitalização de oportunidades no âmbito dos negócios. Na verdade, a sub-representação feminina pode ser relacionada à histórica e prevalente concentração de mulheres em setores da economia marcados por maior grau de saturação e menor rentabilidade, como o de serviços e varejo. Por sua vez, esta predominância pode contribuir negativamente na taxa de sucesso na obtenção de crédito necessário para promover o crescimento empresarial, uma vez que esses setores tendem a ser mais propensos a riscos para os fornecedores de crédito (GEM, 2022).
Adicionalmente, no contexto feminino, a decisão de empreender tende a surgir a partir da necessidade de conciliar a família e o trabalho e persistentes estereótipos de gênero que definem o que configura “trabalho de homem” e “trabalho de mulher” (MELO e THOMÉ, 2018). De acordo com o FMI (2023), as taxas de participação feminina no mercado de trabalho brasileiro trilhavam uma trajetória ascendente no Brasil antes da pandemia. Entretanto, essa participação desacelerou nos períodos pós-pandemia, principalmente entre as mulheres com filhos pequenos. As atividades do lar são citadas como um dos principais fatores que explicam a desaceleração da participação feminina no mercado de trabalho no Brasil. No Brasil, apesar da crescente taxa de participação no mercado de trabalho e níveis de escolaridade feminina, permanecem estruturas desiguais que destinam às mulheres maior responsabilidade pelos trabalhos de reprodução da vida. Em função da divisão sexual do trabalho, o tempo despendido pelas mulheres atuando nas tarefas no âmbito de reprodução da vida poderia ser destinado aos estudos e trabalho, de modo a elevar os rendimentos familiares ou ampliar sua autonomia econômica. (MELO e THOMÉ, 2018).
Considerações Finais
Nesse sentido, após a pandemia, nota-se que as atividades do lar constituíram o principal motivo responsável pelo declínio da participação feminina no mercado de trabalho, principalmente entre as mães de crianças pequenas. Como consequência, as mulheres tendem a enfrentar um crítico trade-off: as horas despendidas para dedicar-se ao trabalho reprodutivo desigualmente dividido significam a renúncia de horas que poderiam ser dedicadas aos estudos ou experiências profissionais que poderiam contribuir no incremento dos rendimentos familiares ou sua autonomia econômica. Especialmente para as mães de baixa renda que não possuem acesso a creches ou escolas em tempo integral, o empreendedorismo surge como uma alternativa de conciliar o trabalho remunerado com o trabalho reprodutivo. Em virtude desta carga adicional, a ampliação da oferta de creches é uma iniciativa fundamental para a participação das mulheres em postos de trabalho assalariados e no empreendedorismo. Apesar deste fator depender de graduais ressignificações do papel de gênero, a maior participação masculina nas atividades do lar é outro passo fundamental em direção à distribuição igualitária do trabalho reprodutivo entre homens e mulheres. Assim, a promoção de uma sociedade pautada na igualdade de gênero mostra-se como um fator fundamental no fomento da participação feminina no mercado de trabalho formal e no empreendedorismo.