Reumo
As mudanças climáticas e a degradação dos ecossistemas têm se intensificado, comprometendo os serviços ecossistêmicos (SE) essenciais ao bem-estar humano. Entre 2019 e 2022, houve um aumento alarmante do desmatamento, queimadas e degradação em todos os biomas brasileiros, impactando severamente serviços como a regulação do clima e da água, especialmente nas comunidades mais vulneráveis.
Reconhecer a essenciabilidade dos SE é um primeiro passo para implementar ações concretas. No entanto, desenvolver instrumentos de política ambiental que enfrentem esses desafios é complexo, exigindo soluções que abordem as causas fundamentais da degradação ambiental.
Segundo o IPCC, a alteração do uso e cobertura da terra é uma das principais causas das mudanças climáticas. Na Amazônia brasileira, essas alterações estão diretamente ligadas ao desmatamento para conversão de florestas em áreas agrícolas e pastagens, resultando na liberação de dióxido de carbono (CO2) e contribuindo para o aquecimento global.
A crescente preocupação ambiental tem impulsionado o desenvolvimento de sistemas de produção eficazes no sequestro e armazenamento de carbono, especialmente de baixo custo. Os Sistemas Agroflorestais (SAFs) têm sido amplamente estudados e promovidos, com ênfase na agricultura familiar. Esses sistemas permitem a recuperação de áreas degradadas, a produção de cultivos diversificados e a geração de serviços ambientais (SA), como a infiltração de água no solo, o aumento da matéria orgânica e a elevação da biodiversidade, além de serem importantes para a fixação de carbono.
O Programa Agricultura de Baixo Carbono (ABC) do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) do Brasil destaca os SAFs como uma alternativa dentro do contexto de Integração Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF). Nesse cenário, a aplicação de metodologias para o levantamento de biomassa e carbono nos SAFs, especialmente na agricultura familiar, torna-se cada vez mais urgente. Um dos principais desafios para a adoção em larga escala dos SAFs é a falta de investimento, considerando os custos de oportunidade e de manutenção das áreas preservadas.
Em janeiro de 2021, a Lei nº 14.119 instituiu a Política Nacional de Pagamento por Serviços Ambientais (PNPSA) no Brasil, formalizando o conceito de Pagamento por Serviços Ambientais (PSA). Desde o final da década de 1990, o PSA tem sido uma estratégia amplamente utilizada em países latino-americanos para financiar a conservação ambiental. Trata-se de um instrumento de política ambiental que remunera atividades humanas que promovem a conservação e a restauração dos ecossistemas e da biodiversidade, com o objetivo de manter processos ecológicos essenciais à vida.
Dentre as estratégias existentes no PSA, destacam-se a compensação financeira para a recomposição da vegetação em áreas desmatadas e a valorização de práticas agrícolas de baixo impacto, além de incentivos para a adoção de práticas sustentáveis.
No Brasil, a integração entre PSA e SAFs representa uma estratégia crucial para harmonizar a produção agrícola com a conservação ambiental. Os SAFs oferecem uma abordagem integrada que diversifica a produção, aumenta a resiliência dos agricultores, conserva os recursos naturais e promove os SE. O PSA, por sua vez, valoriza e remunera os SA proporcionados pelos SAFs, incentivando a adoção de práticas sustentáveis e contribuindo para as metas de conservação ambiental e desenvolvimento rural.
Este artigo desenvolvido no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Política Científica e Tecnológica da Uviversidade Estadual de Campinas tem como objetivo aprofundar a compreensão da relação entre os instrumentos de PSA para adoção de SAFs biodiversos no Brasil, a partir de casos previamente estudados. Para isso, utilizamos a metodologia de revisão de escopo, buscando compreender a produção científica atual e identificar possíveis lacunas.
Realizamos uma busca na base de dados Scopus utilizando palavras-chave relacionadas ao PSA, aos SAFs e ao contexto brasileiro. Dos 77 artigos encontrados, selecionamos 22 para leitura detalhada, com base em critérios como a presença de instrumentos de PSA e SAFs biodiversos. No final, dois artigos atenderam aos critérios: ”Potential economic impact of carbon sequestration in coffee agroforestry systems“ de Gonçalves et al. (2021) e ”Payment for Environmental Services and the Financial Viability of Agroforestry Systems“ de Dominicis et al. (2023).
O trabalho de Gonçalves et al. (2021), investigou o potencial dos SAFs na restauração e provisão de SE, quantificando o sequestro de carbono e seu impacto econômico em pequenas propriedades no estado de São Paulo. Os resultados indicaram uma diversidade significativa de espécies de árvores e estoques de carbono elevados, comparáveis a Unidades de Conservação. Contudo, o impacto econômico do sequestro de carbono foi relativamente baixo, sugerindo que a receita de carbono pode não ser um incentivo econômico convincente para a adoção de SAFs.
O estudo realizado por Dominicis et al. (2023) avaliou a viabilidade financeira da implementação de SAFs em assentamentos de reforma agrária na Bacia Hidrográfica do Rio Descoberto, no estado de Goiás. O estudo identificou uma contribuição significativa dos SAFs para a redução da erosão e sedimentação, com o valor do PSA pago aos agricultores sendo equivalente à receita proveniente da venda de produtos agroflorestais nos primeiros dois anos.
Os resultados dos estudos indicam que os SAFs podem desempenhar um papel importante na promoção do desenvolvimento sustentável e na conservação ambiental, especialmente quando alinhados a políticas públicas como o PSA. No entanto, o PSA, por si só, pode não ser suficiente para incentivar a adoção de SAFs. Como demonstrado por Dominicis et al. (2023) e Gonçalves et al. (2021), os valores pagos pelo PSA em alguns contextos apresentam discrepâncias significativas em comparação com outros PSA implementados no Brasil, evidenciando que as políticas públicas de incentivo às boas práticas agrícolas tendem a favorecer grandes proprietários de terras, já que os montantes pagos são relativamente baixos e, para alcançar um benefício satisfatório, é necessário repartir áreas consideráveis.
Portanto, é essencial adotar uma abordagem integrada que combine instrumentos de PSA com outros incentivos econômicos, técnicos e sociais, garantindo a sustentabilidade a longo prazo. Isso requer o envolvimento de múltiplos atores, incluindo governos, ONGs, instituições de pesquisa e comunidades locais.