Reumo
Na história recente das migrações internacionais que atravessam o território brasileiro, é possível verificar a Operação Acolhida ou Força-Tarefa Logística Humanitária FT LOG Hum, criada em 2018, a partir do decreto n 9.285/2018, como o primeiro programa migratório de apoio humanitário que envolve a fronteira direta. (ACNUR, 2023). Seu objetivo é realizar um ordenamento da fronteira Brasil-Venezuela, abrigar e acolher os migrantes venezuelanos de maneira dispersa e controlada no território brasileiro (nos documentos da Operação Acolhida, essa ação é chamada de “interiorização”). (OIM, 2024).
Em Fortaleza, a Casa do Migrante é uma instituição civil que presta apoio a questão migratória da Operação Acolhida. A casa funciona como um lar temporário para as famílias venezuelanas, faz ações em datas comemorativas para promover encontros e fortalecer laços, promove cursos de formação e ajuda aos migrantes para tirar documentação, a inserção de filhos nas escolas e conseguir trabalhos formais.
A interseção da Casa do Migrante com o projeto de extensão “Upcycling: prática sustentável que transforma roupas e vidas”, vinculado ao curso de graduação Design.Moda da Universidade Federal do Ceará, se apresentou a partir dos seguintes fatores:1) A casa tem um espaço com máquinas de costuras industriais; 2) O grande desafio da população de migrantes internacional estabelecida em Fortaleza é viabilizar rendas para as mulheres que são mães. Sem rede de apoio, elas não conseguem se inserir no mercado de trabalho, por não terem disponibilidade de estar “fora” do âmbito familiar por muitas horas; 3) Grande fluxo de doações de roupas usadas, realidade aumentada após a tragédia climática do Rio Grande Sul, onde as roupas passavam por uma triagem e as não conformes foram direcionadas para a Casa do Migrante.
O projeto de extensão “Upcycling: prática sustentável que transforma roupas e vidas” capacita mulheres migrantes, oferecendo base técnica para elas criarem produtos com valor agregado, a partir da técnica de upcycling, que consiste em ressignificar o velho e trazer um novo sentido a uma peça já existente, alterando sua função. (MORELLI; ENDER, 2007). Ou seja, uma calça jeans vira um vestido de criança; uma saia, uma bolsa; uma colcha de cama, um casaco...
O Trabalho de campo como metodologia de acolhida da população migrante tem como objetivo construir um trabalho de pesquisa e extensão que contribua para que as mulheres em situação de migração possam (re)conquistar sua autonomia e autoestima, ao serem criadoras de produtos diferenciados que geram renda, dão visibilidade para a causa e carregam significados simbólicos.
Os grupos focais são mulheres acolhidas na Casa do Migrante em Fortaleza, vinculadas à Operação Acolhida, portanto, venezuelanas que fizeram o percurso Santa Helena de Uairén/ Bolívar/ Venezuela/ Pacaraima/ Roraima/ Fortaleza. Para isso, são propostas: 1) Rodas de Conversa, para dar voz a essas mulheres tantas vezes silenciadas, dando oportunidade para elas contarem seus trajetos e trajetórias realizadas até o momento e suas perspectivas ao estarem em Fortaleza; 2) Cursos de Capacitação presenciais, construindo um ambiente de troca entre alunos e mulheres migrantes 3) Criação de vídeos com legenda em espanhol sobre o passo a passo do processo de execução de peças do vestuário, construídas a partir da técnica do upcyncling.
Os vídeos se mostraram muito eficientes, visto que a comunidade de migrantes é muito ativa nos grupos sociais online, o que permite muita troca, compartilhamento e atrai mulheres migrantes para o espaço físico da Casa do Migrante, para utilizar a estrutura de maquinário e tirar dúvidas umas com as outras. Para auxiliar a execução dos projetos propostos, junto ao vídeo, é disponibilizado um arquivo em PDF com a modelagem da peça a ser executada, que pode ser impresso em uma impressora caseira. As modelagens são pensadas para aproveitar todo o tecido disponível, por isso, normalmente, os projetos principais do vídeo são acompanhados de um segundo projeto, de uma peça pequena e com mais recortes, buscando não gerar resíduos e colaborar com a educação ambiental.
As roupas sugeridas nos cursos, sejam online ou presenciais, se apresentam como “criações abertas”, onde as mulheres migrantes são convidadas a fazer interferências. Um exemplo prático é o vídeo do corset, em que uma aluna utilizou uma camisa social masculina, aproveitando todas as partes da peça original, onde a gola e os punhos viraram detalhes decorativos na peça, criando uma peça única e diferenciada.
Além de colaborar com a problemática dos resíduos têxteis e gerar mais renda para a Casa do Migrante, o projeto de extensão Upcycling tem causado múltiplos impactos no território e na vida das pessoas envolvidas, com destaque para quem migra; quem permanece e quem recebe os sujeitos em situação de migração.