Reumo
Os desafios com relação à doação de sangue sempre foram consideráveis, e o cenário tem sido marcado pela crescente demanda de sangue, que na maioria dos países já supera a oferta (Estrada et al., 2020), em razão principalmente do aumento da expectativa de vida e da consequente proliferação de doenças crônicas, em que há o aumento da necessidade de intervenções cirúrgicas, muitas vezes implementadas por terapêuticas que fazem uso do sangue como meio de tratamento (Rodrigues et al., 2020). Soma-se a isso ainda a diminuição do número de doadores de sangue, como consequência de captação e triagem mais rigorosos, gerando um desequilíbrio entre demanda e oferta de sangue (Kasraian & Maghsudlu, 2012).
Ademais, o cenário com relação à captação de sangue também vem se alterando. No Brasil, a doação já sofreu alguns momentos de inflexão, tanto na política, quanto na prática e nas regras de doação, que conferiram importantes transformações nas características dos doadores e nas taxas de doação. Atualmente, a OMS (Organização Mundial de Saúde), instituição norteadora dos princípios e atividades relacionadas à doação de sangue no mundo, considera que a oferta de sangue seguro só é possível por meio da doação voluntária, não remunerada e regular de sangue (Brasil, 2015; OMS, 2024).
Por conseguinte, o esforço concentrado das campanhas brasileiras não foi capaz de alterar os padrões de comportamento da população (Rodrigues et al., 2020; Barboza & Costa, 2014). Considerando a importância do aumento do número de doadores recrutados e especialmente da fidelização destes doadores, este estudo busca analisar as estratégias de comunicação das campanhas disponibilizadas tanto pelo Hemominas quanto pelo Hemocentro de Uberlândia. Minas Gerais em duas das principais mídias sociais utilizadas por essas instituições (Instagram e Facebook), e explorar como essas estratégias são percebidas pelos gestores do Hemocentro de Uberlândia. A pesquisa pretende ser um meio de compreender a efetividade, alcance e possíveis pontos de melhoria para que a comunicação das campanhas de doação de sangue seja mais assertiva e eficiente.
Gillespie e Hillyer (2002) observaram que tradicionalmente as pesquisas consideravam as características dos doadores como fator de predição de doação de sangue, o que produziu uma comunicação destinada a um grupo homogêneo de doadores, com características similares, e que, portanto, não atingiam segmentos importantes da sociedade. Por outro lado, Ferguson et al. (2008) notaram que a doação de sangue é comumente caracterizada como o arquétipo do altruísmo, tendo em vista que o benefício da doação é direcionado a outra pessoa, com algum custo a quem doa, é voluntário e realizado sem expectativa de recompensas. Apesar de parte importante das doações, especialmente a primeira experiência, serem motivadas pelo pedido de alguém próximo (Aldamiz-Echevarria & Aguirre-Garcia 2014), a comunicação das campanhas se voltou por muito tempo para o altruísmo puro como fator de estímulo para a doação.
Assim, a doação de sangue é frequentemente abordada como uma atividade segura e praticada voluntariamente por um ato de altruísmo, sendo comumente descritos vários efeitos positivos da doação de sangue, como satisfação e sentimento de bem-estar geral. Entretanto, entre 10 e 20% dos doadores que relatam algum efeito adverso podem decidir por não repetir a doação no futuro (Hoogerwerf et al., 2015). Considerar as múltiplas possibilidades e fatores para doar sangue deve ser um dos objetivos das estratégias de marketing, de forma a garantir a manutenção de um programa de doações eficiente e eficaz e que garanta o fornecimento de suprimentos de sangue. Neste sentido, Ferguson (2015) sugere que as intervenções que não conseguem refletir os valores sociais podem não ser socialmente aceitas, se tornando, em consequência, ineficazes.
Apesar da vasta literatura em torno da doação de sangue, Romero-Domínguez et al. (2019) apontam que a utilização dos princípios do marketing social é reduzida, sendo a temática da doação de sangue mais frequentemente abordada a partir de uma perspectiva de saúde, em que parte significativa dos estudos sobre a temática estão relacionados nas revistas de hematologia.
Considerou-se, portanto, o interesse em conhecer em profundidade as percepções dos atores organizacionais envolvidos na captação e fidelização de doadores no que concerne à comunicação estratégica das instituições para o alcance do objetivo institucional de aumento do número de doadores e sua fidelização. Assim, na primeira fase desta pesquisa será realizada a coleta de dados a partir da busca e análise de fontes secundárias nas redes sociais Instagram e Facebook, identificando a presença dos fatores, elencados pela literatura, que predispõem à doação de sangue. Na segunda fase serão realizadas entrevistas semi-estruturadas com os gestores do Hemocentro em Uberlândia, com vistas a incluir os aspectos mais sensíveis no processo da doação de sangue, bem como esboçar uma compreensão acerca do alcance das campanhas promovidas.
Pretende-se com isso trazer novas contribuições para o campo acadêmico e institucional em torno da reflexão do objeto em estudo, trazendo um novo olhar, o do gestor, sobre a prática da doação de sangue. Em ambas as fases o tratamento dos dados será feito por análise interpretativa, com base na elaboração teórica concebida.