Reumo
A agricultura familiar exerce um papel fundamental na segurança alimentar e no desenvolvimento da atividade rural em muitos países. No Brasil, de acordo com o IBGE, a estimativa é que cerca de 70% da produção dos alimentos que chegam à mesa dos brasileiros sejam oriundos da agricultura familiar (IBGE, 2024). Contudo, tal setor enfrenta diferentes desafios relacionados a baixa produtividade, acesso limitado à terra e ao crédito e ausência de assistência técnica por parte de órgãos que poderiam apoiar a atividade dessas famílias e melhorar o desempenho do setor. Atrelado a estes desafios, soma-se ainda o contexto climático e pluviométrico que determinadas regiões apresentam, como o semiárido brasileiro, por exemplo, que favorecem ou dificultam, em determinadas épocas do ano, a produção de alimentos.
Nesse contexto, as tecnologias sociais surgem como importantes ferramentas para apoiar e auxiliar os agricultores familiares na superação desses desafios. De um modo geral, são soluções inovadoras e de baixo custo que devem ter como objetivo atender às necessidades específicas de contextos locais; criadas muitas vezes a partir de saberes populares ou em centros de pesquisas e universidades, elas precisam ser desenvolvidas a partir uma perspectiva participativa com a comunidade (CARVALHO et a. 2016).
As Tecnologias Sociais têm despertado interesse de investigações que as consideram como uma estratégia para enfrentar desafios sociais, ambientais e econômicos em diferentes contextos. Os conceitos apresentados na literatura são variados e multifacetados, apresentando diversas dimensões e perspectivas (Dagnino et al. 2004; Rodrigues e Barbieri 2008; Costa, 2013). Na Agricultura Familiar são muitas vezes soluções, ferramentas ou mecanismos desenvolvidos pelos agricultores para lidar com os desafios enfrentados pela atividade no campo.
Portanto, o conceito de tecnologia social apresenta um caráter mais amplo, que está além do aspecto técnico relacionado a sua natureza de produto, representando, pois, uma possibilidade de transformar a realidade de pessoas que estão à margem da sociedade ao priorizar a emancipação dos atores envolvidos, sendo estes os produtores e usuários dessas tecnologias (Rodrigues e Barbieri, 2008).
Considerando as condições climáticas da região semiárida brasileira, o fenômeno da seca é uma realidade enfrentada pelos sujeitos que vivem e produzem para viver nessa região. Sendo assim, a busca de formas de convivência com esse fenômeno é uma necessidade, sobretudo formas que permitam que os sujeitos tenham acesso a água, recurso escasso e fundamental para a manutenção da atividade produtiva dos agricultores familiares no semiárido.
Nesse contexto, a adoção de tecnologias sociais como alternativa de possíveis soluções pode contribuir para beneficiar e manter as atividades socioeconômicas que são impactadas pela escassez de água na região. Contudo, a agricultura familiar no Brasil enfrenta muitos desafios relacionados com o acesso a mercado, a crédito, a extensão rural, qualificação, contexto climático e baixa produtividade (Paula, Kamimura e Silva, 2014; Maziero et al., 2019; Nascimento et al., 2019; Batista, 2021), o que implica também em desafios para acesso a adoção efetiva das tecnologias sociais, revelando lacunas que precisam ser exploradas empiricamente para permitir reflexões teóricas mais próximas da realidade dos sujeitos que delas necessitam.
Nesse sentido, o questionamento norteador dessa presente investigação consiste em: quais os desafios no processo de adoção de tecnologias sociais na agricultura familiar na perspectiva dos sujeitos, em seus contextos de atuação e vivência no campo? A partir das reflexões norteadas por esse questionamento, o objetivo que visa responder a essa pergunta de pesquisa é: refletir sobre os desafios do processo de adoção de tecnologias sociais a partir da ótica dos sujeitos em seus contextos de atuação no campo.
A postura adotada para a presente investigação é caracterizada como crítico-interpretativa, uma vez que abordagens construtivistas permitem observar a maneira como determinadas realidades sociais são construídas (Alharahsheh e Pius, 2020). O intuito foi compreender o fenômeno investigado a partir da perspectiva dos sujeitos participantes, valorizando sua subjetividade. Já a abordagem crítica deve ajudar o pesquisador a não apenas observar o mundo, mas a questioná-lo, transcendendo assim a mera descrição de fenômenos e se colocando como um agente de transformação social (Bilgin, 2023).
Foram realizadas sete entrevistas semiestruturadas, com uma duração média de 10 a 15 minutos, durante os meses de junho a agosto de 2024, no Município de Campina Grande, durante as feiras que acontecem na Universidade Federal de Campina Grande e Universidade Estadual da Paraíba. O roteiro de entrevista focou em aspectos como percepção sobre tecnologia social, processo de adoção de tecnologias sociais e impactos e desafios enfrentados no processo de adoção das tecnologias sociais. Assim, as percepções relatadas pelos agricultores foram parte fundamental do material empírico desta investigação.
Para responder a questão de pesquisa, adotou-se o estudo de caso que, de acordo com Creswell (2014), consiste na exploração de um fenômeno em seu contexto real, quando os limites entre o fenômeno e o contexto não são facilmente observados e que diferentes fontes de evidências são necessárias. Assim, o objetivo foi desenvolver uma compreensão para ser aplicada não apenas na realidade investigada, mas também em contextos semelhantes.
As reflexões apontadas por este estudo evidenciam a importância das tecnologias sociais para a agricultura familiar no semiárido paraibano, especialmente no contexto da escassez hídrica. Ao superar os desafios da pouca disponibilidade de água, essas tecnologias contribuem para a segurança alimentar, a geração de renda e a melhoria da qualidade de vida dos agricultores familiares. No entanto, a adoção dessas tecnologias ainda enfrenta obstáculos relacionados ao acesso, à capacitação e à falta de políticas públicas adequadas para as reais necessidades desses sujeitos.
Para superar esses desafios, recomenda-se a implementação de políticas públicas integradas que promovam a pesquisa, o desenvolvimento e a transferência de tecnologias sociais, aliadas à capacitação dos agricultores e à criação de mecanismos de financiamento acessíveis. Além disso, é fundamental fortalecer a articulação entre os diversos atores envolvidos no processo, como governos, universidades, instituições de pesquisa e organizações da sociedade civil, como no caso da AS-PTA Agricultura Familiar e Agroecologia.