Reumo
Introdução
Estudos revelam que o cenário empresarial nacional é marcado pela exclusão de indivíduos trans e travestis (Baggio, 2017; Benevides, 2024; Paniza & Moresco, 2022). Aproximadamente 90% das mulheres trans e travestis atuam na informalidade e utilizam da prostituição como fonte primária de renda, haja vista que grande parte das empresas brasileiras não as contratam por preconceitos enraizados na cultura das organizações, não as visualizando como possíveis trabalhadoras (Benevides, 2024).
Em paralelo, identificou-se uma lacuna na literatura organizacional sobre a identificação e divulgação das ações inclusivas de empresas consideradas referência em inclusão à diversidade no país. Neste sentido, em agosto de 2023, a Bolsa do Brasil (B3) lançou o primeiro índice de diversidade centrado nos marcadores sociais de gênero e raça denominado de IDIVERSA B3. As 75 empresas listadas nesse índice são consideradas pela B3 como as mais diversas do Brasil (B3, 2023).
Diante do contexto, e considerando a lacuna identificada, a pesquisa pretende responder ao seguinte problema: Quais são as ações para a inclusão e permanência de pessoas trans e travestis no mercado de trabalho a partir da análise dos relatórios de sustentabilidade/ESG das empresas brasileiras listadas no IDIVERSA B3? Para responder a esta problemática, o estudo objetiva identificar e compreender as ações para inclusão e permanência de pessoas trans e travestis pela análise dos relatórios de sustentabilidade/ESG das empresas incluídas no IDIVERSA da B3.
Fundamentação Teórica
O acesso, permanência e respeito nos ambientes laborais no Brasil estão reservados para as pessoas cisgêneros (cis) (Baggio, 2017), cuja identidade de gênero coincide com o gênero designado ao nascimento. Elas têm o privilégio de serem cis em uma sociedade estruturalmente transfóbica e cisnormativa, que impõe a cisgeneridade como algo “natural”, “aceitável”, validado por uma estrutura opressora, conservadora, fundamentalista e falocêntrica (Nascimento, 2021).
Empresas brasileiras quando raramente contratam mulheres trans, travestis, homens trans, pessoas transmasculinas e não-binárias, não possuem políticas internas para a permanência dessas trabalhadoras e sua integração no ambiente de trabalho, negando-lhes oportunidades para ascensão profissional, por meio de políticas de promoção de cargo e elevação de salário (Benevides, 2024).
A cultura organizacional transfóbica precisa ser transformada, por uma que inclua, acolha e respeite trabalhadoras trans e travestis em ambientes de trabalho no Brasil (Paniza & Moresco, 2022), oferecendo-lhes oportunidades de trabalho e crescimento profissional. Neste sentido, faz-se relevante identificar as iniciativas existentes, que podem servir de base informacional e instrucional para outras organizações se tornarem inclusivas.
Metodologia
Trata-se de uma pesquisa exploratória e descritiva, com a utilização da estratégia documental. Para isso, foram objeto de análise documental os relatórios ESG/Sustentabilidade das 75 empresas listadas no IDIVERSA B3, índice que apresenta o comprometimento das empresas com a inclusão de pessoas trabalhadoras diversas, no tocante aos marcadores sociais de gênero e raça.
Os relatórios foram coletados diretamente nos websites das empresas, no item “Relação com Investidores”, referente ao ano-calendário de 2023, publicado em 2024, que é o mais recente. Das 75 empresas listadas, 63 (84%) publicaram o relatório ESG/Sustentabilidade referente ao ano-calendário de 2023.
Utilizou-se de cinco termos de busca nos documentos: “gênero”, “transgênero”, “travesti”, “transmasculino” e “não-binária”. Primeiramente foi realizada uma filtragem manual em cada documento e, de forma complementar, os documentos foram analisados com suporte do software ChatPDF. Das 63 empresas, apenas 20 (32%) mencionaram ações relacionadas à inclusão e permanência de pessoas trans e travestis na empresa.
Análise e Discussão dos Resultados
As 20 organizações que mencionam ações trans-inclusivas em seus relatórios são: Allos, Ambev, Assaí, B3, Banco Pan, Banco Bradesco, Banco do Brasil, Clearsale, Dasa, Ecorodovias, Grupo SBF, Itaú Unibanco, Lojas Renner, MRV, Pague Menos, Grupo Petz, Raia Drogasil, TOTVS, Vibra, e Yduqs Part. O setor bancário é o que mais está engajado em ações para a inclusão e permanência de pessoas trans e travestis em espaços laborais, com quatro representantes.
Em relação aos fatores determinantes que contribuem para a empregabilidade trans e travesti, duas categorias emergiram: Acesso e Permanência. Quanto às ações empresariais para acesso identificou-se: i) vagas afirmativas para pessoas trans; ii) parcerias com a TransEmpregos; iii) currículo oculto, para a redução de vieses inconscientes no recrutamento e seleção; iv) programas de capacitação profissional em conjunto com a contratação das pessoas capacitadas. Dentre ações de permanência identificou-se: i) treinamentos da equipe em diversidade; ii) uso do crachá social; iii) bolsas de estudo; iv) grupos de afinidade; v) apoio jurídico com foco em acolhimento médico, psicológico, jurídico e social; e vi) banheiros inclusivos.
Considerações Finais
O estudo objetiva identificar e compreender os fatores determinantes para a inclusão e permanência de pessoas trans e travestis no mercado de trabalho brasileiro. Para isso, foram analisados relatórios de ESG/Sustentabilidade de empresas referências em inclusão da diversidade listadas no índice IDIVERSA da B3 de 2023.
Das 75 empresas do índice, 63 apresentaram os relatórios. Destas, a análise revela o não engajamento de 43 empresas, sem menção de ações para inclusão e permanência de pessoas trans e travestis. Das que mencionam ações, o setor bancário é o mais engajado. São mapeadas quatro ações de acesso e quatro ações de permanência.
Assim, critica-se a “diversidade” de empresas com prioridade na contratação de pessoas cisgêneras. Estudos futuros podem entrevistar gestores/as para aprofundar a compreensão da temática.
Referências
Baggio, M. C. (2017). About the relation between transgender people and the organizations: new subjects for studies on organizational diversity. REGE-Revista de Gestão, 24(4), 360-370. https://doi.org/10.1016/j.rege.2017.02.001.
Benevides, B. G. (2024). Dossiê assassinatos e violências contra travestis e transexuais brasileiras em 2023. Brasília: Distrito Drag, ANTRA.
B3. (2023). B3 lança primeiro índice de diversidade com foco em gênero e raça. Disponível em: https://www.b3.com.br/pt_br/noticias/b3-lanca-primeiro-indice-de-diversidade-com-f oco-em-genero-e-raca.htm. Acesso em 15 fev. 2024.
Nascimento, L. (2021). Transfeminismo. Editora Jandaíra.
Paniza, M. D. R., & Moresco, M. C. (2022). À margem da gestão da diversidade? Travestis, transexuais e o mundo do trabalho. Revista de Administração de Empresas, 62. https://doi.org/10.1590/S0034-759020220305.