Resumo

Título do Artigo

A ABORDAGEM DE COALIZÕES DE DEFESA NA GOVERNANÇA AMBIENTAL NO BRASIL
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Tema

Políticas Públicas para a Sustentabilidade

Autores

Nome
1 - Débora Naidhig
UNICAMP Universidade de Campinas - Intituto de Geociências Responsável pela submissão
2 - Rosana Icassatti Corazza
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Reumo

A Abordagem de Coalizões de Defesa (ACD) tem constituído, na literatura sobre análise de políticas, um instrumento teórico-conceitual e ferramental analítico para investigar o processo de institucionalização de políticas públicas em diversas áreas. Desenhado para analisar políticas trabalhistas no contexto britânico nos anos 1980 e 1990, a ACD vem sendo empregada para a análise de uma ampla gama temática de políticas, inclusive em países do Sul Global. Este artigo tem objetivo duplo: primeiro, contextualizar a ACD em uma perspectiva teórico-conceitual; segundo, oferecer um enquadramento dessa abordagem a partir de uma retomada crítica da governança ambiental no Brasil, destacando sua relevância para os estudos de políticas ambientais no país. Breve Contextualização da ACD A ACD, proposto por Sabatier (1988) e revisado em colaboração com Jenkins-Smith e Weible, constitui abordagem para a análise de processos de políticas públicas, visando entender como ocorrem mudanças políticas e como elas influenciam o aprendizado dos atores nos subsistemas de políticas durante a implementação (Sabatier, 1988; Sabatier; Jenkins-Smith, 1993; Sabatier, 1998; Jenkins-Smith et al., 2014). A ACD integra os estágios do ciclo de políticas públicas, incorporando variáveis como tipos de atores, instituições, redes/subsistemas, ideias/crenças, contextos e eventos para a análise (Weible; Sabatier, 2009). Suas premissas incluem a centralidade dos subsistemas de políticas públicas, a necessidade de análise de uma trajetória histórica de no mínimo 10 anos, a formação de coalizões entre atores e a interpretação das políticas públicas como reflexo das crenças dessas coalizões (Weible et al., 2011). Subsistemas são redes semi-independentes de atores que interagem ao longo do tempo, guiados por sistemas de crenças, sendo cruciais para entender a formulação, implementação e avaliação de políticas (Sabatier, 1999; Weible et al., 2011). Estes subsistemas são compostos por coalizões de defesa, formadas quando atores compartilham interesses e recursos e influenciadas pelo sistema de crenças, que é hierárquico e inclui crenças centrais profundas, núcleo político e crenças secundárias (Sabatier, 2007). Nessa abordagem, a perspectiva temporal de longo prazo para compreender mudanças políticas permite identificar fatores de estabilidade e mudança, assim como elementos que operam no curto e longo prazo. Isso inclui eventos externos, atributos do problema, mudanças socioeconômicas, opinião pública, e mudanças nos recursos e poder dos atores do subsistema (Sabatier, 2007). Enquadramento Crítico-Histórico da Governança Climático-Ambiental no Brasil A posição brasileira sobre temas ambientais no cenário internacional assume formas diversas desde o período imperial, influenciada por fatores históricos, políticos e culturais. A política ambiental brasileira transmutou de um modelo autoritário e burocrático para processos mais democráticos e participativos, refletindo mudanças nos contextos sociopolíticos local e global, incluindo progressivo (re)conhecimento sobre os problemas socioambientais (Monosowski, 1989). Recentemente, fala-se da emergência de Novos Modos de Governança Ambiental (NMGA), caracterizados por formas menos hierárquicas de gestão, onde o controle político é compartilhado entre governos, instituições estatais, sociedade civil e setor privado (Backstrand et al., 2010) Monosowski (1989) propõe quatro fases para a análise das transformações das políticas ambientais no Brasil. A primeira fase, de administração de seus recursos naturais, entre anos 1930 e 1960, tem início com a criação de marcos regulatórios como o Código Florestal e o Código das Águas e, durante a Ditadura Militar, apresenta avanços em algumas áreas de proteção ambiental subordinados à priorização da ocupação econômica dos biomas. Na segunda, de controle da poluição industrial nos anos 1970, sob influência da Conferência de Estocolmo, o Brasil criou a a Secretaria Especial do Meio Ambiente (SEMA) e a tônica passou a incluir o planejamento territorial (terceira fase), com a criação de comitês para o estudo e manejo de bacias hidrográficas, como o Paraíba do Sul e o São Francisco. Na quarta fase, nos anos 1980, a criação da Política Nacional de Meio Ambiente (PNMA) e do Sistema Nacional de Meio Ambiente (SISNAMA) consolidou a importância da gestão integrada de recursos naturais no Brasil e a promulgação da Constituição Federal de 1988 assegurou o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e, aos povos indígenas, o direito às suas terras. A década de 1990 foi marcada por uma maior participação de novos atores, como ONGs e movimentos sociais, que passaram a influenciar significativamente a formulação de políticas ambientais, tornando-se mais evidente ser possível falar em governança ambiental. A Rio-92 foi evento decisivo nesse processo, resultando na criação do Ministério do Meio Ambiente (MMA) e na assinatura de tratados internacionais. A partir dos anos 2000, o Brasil tem avançado no sentido da inclusão de outros atores sociais no processo decisório, o que pode ser compreendido pela abordagem da governança. Ações impactantes, como o Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDam), contribuíram para mais eficácia. A partir de 2012, observam-se ações de desmantelamento do SISNAMA, com retrocessos na governança ambiental, especialmente entre 2019 e 2022. Aplicações, Limitações e Desafios da ACD no Contexto Brasileiro Poucos estudos aplicaram a abordagem de forma comparativa em países emergentes, com a exceção de Gupta (2014). Avaliando o uso da ACD nesses países, Henry et al. (2014) sugerem combiná-la com outras abordagens a fim de se beneficiar de suas vantagens e fazer face a suas limitações. Os desafios à aplicação da ACD no Brasil incluem: a) a dificuldade de identificar coalizões baseadas em crenças normativas compartilhadas; b) tendência dos atores políticos de evitar declarações abertas sobre suas crenças; c) difícil coordenação entre atores em um país de dimensões continentais (mobilidade no território, carência de recursos); e d) necessidade de adaptar a abordagem para lidar com as complexidades locais (especificidades sociopolíticas e culturais, barreiras de comunicação). Considerações Finais A aplicação da ACD para análise de políticas ambientais no Brasil permite identificar e compreender a formação e interações entre coalizões, deslindando fatores influenciadores das políticas. Concebida para análise de outros contextos, a ACD tem sido adaptada para a análise de políticas no Brasil, demandando para isso ajustes teórico-metodológicos. O “enquadramento” (framing) da abordagem, com inclusão de variáveis contextuais (conjunturas internas e externas, influências culturais e organização sociopolítica), permite aprimorar a análise e uma compreensão refinada das políticas ambientais brasileiras.