Reumo
A Constituição Federal brasileira em seu art. 225 estabelece que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e determina que a sociedade e o Poder Público têm o dever de defendê-lo e preservá-lo (BRASIL, 2024), no entanto na prática nem sempre é assim. Por estes elementos, o presente artigo tem como questão central como as alianças sóciobiodiversas de comunidades tradicionais atuam numa lacuna institucional, onde o Estado falha em não proteger os territórios dos biomas brasileiros.
É o que se pode perceber a partir da leitura do Decreto Federal 9.203/2017 que “Dospõe sobre a política de governança da Administração Pública federal direta, autárquica e fundacional” (BRASIL, 2017) elabora no §1º do Art. 2º que a governança pública é o conjunto de mecanismos de liderança, estratégia e controle postos em prática para avaliar, direcionar e monitorias a gestão com vistas à condução de políticas públicas e a prestação de serviços à sociedade. É aqui que se busca um olhar mais atento e eficiente quando se interseciona os interesses da sociedade focada numa melhor qualidade de vida, a partir de um meio ambiente sustentável e biodiverso, algo que se transformou num dos maiores desafios da gestão pública contemporânea, pensar no equilíbrio entre o desenvolvimento socioeconômico e a preservação do meio ambiente e da sociobiodiversidade.
É desafiador para a gestão pública pensar modelos de equilíbrio entre as necessidades socioeconômicas da população brasileira e a premência de uma agenda de preservação dos recursos naturais. Neste contexto também situam-se os biomas, e mais especificamente o Bioma Pampa brasileiro, localizado na região sul do Brasil, com uma área total de 700.00 km2 e destes, 63% (sessenta e três por cento) ficam no Rio Grande do Sul, locam que possui uma diversidade considerável de fauna e flora mas que tem 213 espécies ameaçadas de extinção (Pillar et al, 2009).
Em função disto, é fundamental se olhar para a relação de proteção à biodiversidade que é protagonizada por povos e comunidades tradicionais do pampa sulino.São os povos e comunidades tradicionais que vivem no pampa sulino os principais articulares de ações de proteção à sociobiodiversidade do bioma mais ao sul do Brasil. Recentemente, cinquenta representantes de povos e Comunidades Tradicionais do Rio Grande do Sul (RS) e do bioma pampa, participaram do III Simpósio Nacional e II Internacional “Povos Indígenas, Negros/as, Quilombolas, Religiosos de Matriz Africana e Afro-indígenas: decolonidade e dívidas históricas do Estado Brasileiro no marco do bicentenário da Independência” em Brasília, na sede do Ministério Público do Trabalho (MPT) Se deslocaram em caravanas desde o Rio Grande do Sul, em uma grande mobilização, preocupados com a falta de proteção à diversidade pampeana e o avanço de projetos que, segundo eles, fragiliza a riqueza natural do bioma. Esta é uma ação ilustrativa, mas conforme dados da Fundação Luterana Diaconisa (FLD, 2024), estão em aliança pela defesa do bioma pampa, organizações como a Coordenação Nacjonal de Articulação dos Quilombos (CONAQ), Federação das Comunidades Quilombolas do Estado do Rio Grande do Sul (FACQ), Conselho de Desenvolvimento da População Negra (CODENE), Conselho Estadual dos Direitos Humanos do RS (CEDH/RS) e tantos outros, formando uma governança, a partir da perspectiva de Peters (2020) para quem governança envolve aos governos a capacidade de aprender com suas intervenções e com seus interlocutores, descobrindo meios de aperfeiçoar seus desempenhos.
O artigo trata-se de um estudo qualitativo descritivo, utilizando como técnicas a pesquisa documental, a partir de leis e pesquisas protagonizadas por organismos como o MapBiomas e o Observatório do Clima, bem como entrevistas semi-estruturadas com pessoas integrantes de comunidades tradicionais (quilombolas e pecuaristas familiares) do bioma pampa, que aconteceram durante o primeiro semestre de 2024. A coleta de dados abrangeu a triangulação de três técnicas, quais sejam, entrevista, observações diretas (não participantes) e pesquisa documental Conforme Martins (2008, a triangulação das evidências obtidas contribuem para a confiabilidade e validade dos achados.
A partir da emergente importância em discussões que tangenciam a sociobiodiversidade, especialmente num contexto de emergência climática no qual o planeta vive como um todo, e o Rio Grande do Sul, de maneira peculiar, em função do desastre ambiental, social e econômico desencadeado pelas enchentes em 2024, surgem então a questão de como as alianças sóciobiodiversas de comunidades tradicionais atuam numa lacuna institucional, onde o Estado falha em não proteger os territórios dos biomas brasileiros.
A partir das leis, decretos e documentos acessados percebe-se que há um arcabouço legal e institucional que ampara e protege os ambientes como os biomas, mas que mesmo com tal ancoragem legal, a governança como um todo não é perene, cabendo aos povos e comunidades tradicionais o desempenho de alianças com a terra, o território, no sentido de preservação da fauna e flores, assim como o acionamento de agendas com outros atores como ambientes institucionais de pesquisa, no propósito de salvaguarda da biodiversidade do pampa. Os conceitos trazidos no texto são importantes para entendimento da configuração proposta para a governança, na gestão de medidas como preservação da biodiversidade, bem como as alianças com povos e comunidades tradicionais. Por isso, a importância do conceito de governança, considerando o conjunto de atores estatais e não estatais interconectados por laços que convergem no olhar coletivo, operando dentro do processo de práticas de preservação.