Reumo
Com a ascensão dos movimentos feministas das últimas décadas, muitas mudanças já ocorreram no contexto social e no mundo do trabalho, ficando evidente o impacto significativo no papel e na posição das mulheres. Foram criadas oportunidades para além das tarefas domésticas, maior acesso à educação, e, consequentemente, aumento da presença de mulheres no mercado de trabalho. No entanto, mesmo com tais avanços em busca da equidade de gênero, ainda se perpetua a desigualdade entre os sexos, com reflexos diretos para a prática do assédio moral sobre a força de trabalho feminina. O assédio moral ou violência moral no trabalho é a exposição de trabalhadores a situações vergonhosas, constrangedoras e humilhantes durante o exercício da sua função (Bradaschia, 2007; Heloani, 2011; Hirigoyen, 2010; Rodrigues; Freitas, 2014). Uma “cultura do assédio” refere-se a um ambiente organizacional ou social onde o assédio é tolerado, minimizado ou até mesmo encorajado. Isso pode incluir várias formas de assédio, como assédio sexual, assédio moral, discriminação e intimidação no local de trabalho, na comunidade ou em qualquer outro contexto social. Para Viana (2023), nessa cultura, atitudes e comportamentos misóginos são socialmente normalizados em função das desigualdades de gênero, prejudicando diretamente as mulheres em diversos aspectos da vida. No mundo do trabalho, é o ciclo do assédio que sustenta a cultura do mesmo nas organizações: o assediador se utiliza de mecanismos como o silenciamento e a omissão das vítimas para reproduzir indefinidamente essa prática. Considerando a realidade social e geográfica nas quais as autoras deste trabalho estão circunscritas, bem como a oportunidade de se pesquisar o fenômeno do assédio moral nesse contexto, questiona-se: como ocorrem as práticas de assédio moral sobre as mulheres no ambiente de trabalho na cidade de Londrina - PR? O objetivo central deste trabalho trata, portanto, de compreender como ocorrem as práticas de assédio moral sobre as mulheres no ambiente de trabalho na cidade de Londrina – PR, valendo-se i) da identificação das formas e dos efeitos do assédio moral enfrentado pelas participantes da pesquisa e ii) analisando a ocorrência do assédio moral no trabalho como parte da cultura organizacional. A pesquisa, de cunho qualitativo, empreendeu um grupo focal com seis mulheres, com idades entre 29 e 44 anos, todas graduadas e quatro pós-graduadas com cargos que vão de assistente, passando por analista e consultora até gerente. A pesquisa foi aplicada na cidade de Londrina – PR, e ocorreu de maneira presencial em uma sessão com duração de duas horas em uma sala de reuniões. Os dados coletados no processo de entrevista coletiva foram filmados e gravados mediante prévia autorização consentida em um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Uma análise categorial foi realizada para a interpretação e discussão dos resultados e as categorias centrais foram duas: i) as formas e os efeitos do assédio moral, e ii) a cultura do assédio em contexto organizacional. Tomando as categorias de análise como fio condutor, os dados foram interpretados pelas autoras com base em padrões de similaridades e diferenças apresentados entre as participantes e destes com o referencial teórico. Os resultados revelaram que todas as participantes foram vítimas de algum tipo de assédio dentro do ambiente de trabalho, seja moral, sexual ou ambos. As formas que a prática tomou foi desde a despersonalização das vítimas, ao não serem tratadas por seus nomes e reconhecidas como uma pessoa digna de bons-tratos, passando por misoginia, receber salários inferiores ao exercer mesma função que homens, até violências que poderiam ser classificadas como terrorismo no local de trabalho. Notou-se que todas as ocorrências vieram de um superior hierárquico, como diretores, gerentes e até mesmo de clientes de fora da organização, que de qualquer maneira, estão na posição de superior. Os resultados apontaram ainda que apesar de ser um assunto que vem sendo amplamente discutido, as mulheres ainda possuem certas dificuldades de compreender o machismo estrutural como terreno fértil à prática de assédio, seja por crenças pessoais, vivências, ou elementos de cultura organizacional. Nenhuma das entrevistadas que denunciou ou procurou suporte dentro da organização teve um acolhimento adequado. Os resultados apontam também para a falta de políticas internas e canais de ouvidoria dentro das organizações que realmente ofereçam apoio e respeito para combater o assédio moral e garantir um ambiente de trabalho mais seguro. A partir deste estudo, espera-se contribuir com a ampliação da divulgação científica sobre os temas abordados e as possibilidades de sensibilizar estudantes, professores, pesquisadores e gestores sobre um assunto tão delicado e pertinente. No campo prático, espera-se ainda que a pesquisa forneça diferentes percepções acerca do tema, dando maior visibilidade para as lutas das trabalhadoras e sobre como o assédio se perpetua dentro das organizações. Como sugestão para uma futura pesquisa, recomenda-se investigar as interfaces imediatas entre o assédio sexual e o assédio moral, considerando que parte das entrevistadas, inicialmente, só conseguiam conectar situações de caráter sexual ao tema assédio.