Reumo
Introdução
Cerca de 45% dos resíduos sólidos urbanos coletados no Brasil são matéria orgânica, principalmente composta por resíduos alimentares, porém 99,6% desse montante é encaminhado para disposição final em aterros ou lixões, contribuindo para as emissões de gases de efeito estufa, precursores das mudanças climáticas (MMA, 2022). Assim, visando ao melhor aproveitamento e valorização desse tipo de resíduo, e com base nos princípios da economia circular, objetiva-se identificar os fatores críticos de sucesso para a implementação da compostagem em um complexo industrial e portuário como rota tecnológica alternativa para essa disposição final.
Fundamentação Teórica
A economia circular é uma abordagem em que o desperdício de recursos é minimizado pelo fechamento dos ciclos de matéria e energia, alcançado através da reutilização e da reciclagem (GEISSDOERFER et al., 2017). A compostagem é um exemplo de prática de economia circular, pois reaproveita resíduos orgânicos por meio de sua decomposição biológica, cujo produto, o adubo orgânico, pode ser utilizado na produção de alimentos (PAES et al., 2019; SNIS, 2023). O uso do adubo orgânico gerado pela compostagem proporciona o aumento do rendimento das colheitas (BEKCHANOV; MIRZABAEV, 2018).
Metodologia
Realizou-se uma pesquisa aplicada de caráter exploratório, com abordagem qualitativa. Os dados foram coletados por meio de relatórios de destinação de resíduos de três empresas instaladas em um complexo industrial e portuário, por meio de nove entrevistas semiestruturadas com gestores de empresas instaladas nesse complexo e por meio de um workshop com representantes dessas empresas. Nesse workshop, os fatores críticos de sucesso de implementação de uma composteira no complexo emergiram a partir da participação desses representantes. Esses fatores foram agrupados em seis categorias (stakeholders, colaboração, conhecimento, barreiras, riscos e oportunidades) com a utilização da ferramenta diagrama de afinidades. Os dados coletados foram analisados por meio de análise de conteúdo (BARDIN, 2016).
Análise e Discussão dos Resultados
Os relatórios de destinação de resíduos e as entrevistas indicam que mais de 56 toneladas de resíduos orgânicos alimentares são anualmente destinados a aterros sanitários, implicando no desperdício desses recursos. As entrevistas apontam que os principais desafios para evitar esse desperdício residem no custo-benefício e na necessidade de um licenciamento ambiental específico de possíveis soluções, como uma composteira, nos custos logísticos envolvidos, na adesão dos funcionários à coleta seletiva e na operação de um negócio que não faz parte do core business das empresas do complexo industrial.
Os resultados do workshop apontam que, para o sucesso de implementação de uma rota de compostagem, é necessário mobilizar stakeholders, como as empresas do complexo, os governos estadual e municipal da região, as associações locais e startups de economia circular e, para mobilizá-los, podem ser utilizados argumentos como destinação responsável dos resíduos, diminuição dos custos de destinação para aterro sanitário, potencial de descarbonização, realização de novos negócios, geração de empregos e cumprimento da agenda Environmental, Social and Governance.
Para promover a colaboração entre stakeholders, é necessário criar grupos de trabalho entre as empresas, dar suporte na regularização legal de empreendimentos estratégicos e criar um sistema de informação para compartilhar dados sobre resíduos orgânicos. Em termos de conhecimentos essenciais para o processo, deve-se buscar cases de sucesso e o suporte das instituições de pesquisa, bem como atrair empresas parceiras, realizar capacitações e envolver todos os stakeholders na operação das composteiras.
Como barreiras a serem superadas, destacam-se a necessidade de recursos financeiros, de infraestrutura e de local adequado, a burocracia no processo de licenciamento das composteiras e a sua viabilidade tecnológica. A desmobilização dos stakeholders, o custo de operação dessa rota e as mudanças nas exigências legais são riscos a serem considerados, sendo mitigados ao se estabelecer contratos entre os stakeholders, procurar financiamentos externos e mostrar vantagens para o governo. Como oportunidades, destacam-se a menor quantidade de resíduos enviados para aterro, a geração de receita com a venda do adubo gerado pelas composteiras e a melhoria da imagem das empresas do complexo com o fomento à agricultura familiar na comunidade local.
Esses resultados convergem, em sua maioria, com as forças, fraquezas, oportunidades e ameaças identificadas por Paes et al. (2019) ao analisar, em uma revisão sistemática da literatura, a gestão de resíduos orgânicos através dos princípios da economia circular, conforme definidos por Geissdoerfer et al. (2017). Bekchanov e Mirzabaev (2018) afirmam que, com o aumento do rendimento das colheitas advindo do uso do adubo gerado pela compostagem, a expansão dessa rota também pode melhorar indicadores de segurança alimentar.
Considerações Finais
Em virtude das ações contra as mudanças climáticas, as indústrias começam a pensar na transição de seus modelos de produção em direção àqueles pautados pela economia circular. A implementação da compostagem em um complexo industrial e portuário surge como uma alternativa para a destinação de resíduos orgânicos em aterros, implicando no aproveitamento de recursos até então desperdiçados e que criam uma cadeia de valor para os stakeholders. Esta pesquisa elenca os fatores críticos de sucesso, como o adequado licenciamento ambiental e a infraestrutura e os recursos necessários, para que tal rota seja corretamente implementada, a fim de que seus benefícios contribuam para um desenvolvimento verdadeiramente sustentável.
Referências
BARDIN, L. Análise de Conteúdo. Edição revista e ampliada. São Paulo: Edições 70, 2016.
BEKCHANOV, M.; MIRZABAEV, A. Circular economy of composting in Sri Lanka: opportunities and challenges for reducing waste related pollution and improving soil health. Journal of Cleaner Production, [S.l.], v. 202, n. 1, p. 1107-1119, 2018. DOI: 10.1016/j.jclepro.2018.08.186.
GEISSDOERFER, M.; SAVAGET, P.; BOCKEN, N. M. P.; HULTINK, E. J. The Circular Economy: a new sustainability paradigm? Journal of Cleaner Production, [S.l.], v. 143, n. 1, p. 757-768, 2017. DOI: 10.1016/j.jclepro.2016.12.048.
MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE (MMA). Plano Nacional de Resíduos Sólidos. Brasília: Ministério do Meio Ambiente, 2022.
PAES, L. A. B.; BEZERRA, B. S.; DEUS, R. M.; JUGEND, D.; BATTISTELLE, R. A. G. Organic solid waste management in a circular economy perspective: a systematic review and SWOT analysis. Journal of Cleaner Production, [S.l.], v. 239, n. 1, p. 118086-118097, 2019. DOI: 10.1016/j.jclepro.2019.118086.
SISTEMA NACIONAL DE INFORMAÇÕES SOBRE SANEAMENTO (SNIS). Diagnóstico Temático - Manejo de Resíduos Sólidos Urbanos: visão geral 2022. Brasília: Ministério das Cidades, 2023.