Resumo

Título do Artigo

TECNOLOGIA SOCIAL E SUSTENTABILIDADE NA PRODUÇÃO AUTOGESTIONÁRIA DE MORADIAS: POTENCIALIDADES EM EXPERIÊNCIAS DE COOPERATIVISMO HABITACIONAL NO RIO GRANDE DO SUL - NOTAS DE PESQUISA.
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Tema

Cidades Sustentáveis e Inteligentes

Autores

Nome
1 - Clarissa do Nascimento Friedrich
UFRGS - Universidade Federal do Rio Grande do Sul - PPGA Responsável pela submissão

Reumo

A falta de moradias é um problema social historicamente presente na realidade brasileira. Estima-se que o déficit habitacional se encontre, atualmente, na ordem de 6 milhões de moradias, sendo que o conceito de déficit inclui não só a falta de uma casa, mas também fatores como habitação precária e ônus excessivo com aluguel. A partir deste cenário, programas habitacionais advindos de políticas públicas se tornam essenciais para que populações de mais baixa renda tenham acesso à habitação com condições mínimas de habitabilidade. Dentre as diversas formas de provisão, a autogestão habitacional aparece como alternativa ao modelo mercadológico em diferentes tempos e contextos e traz consigo características próprias que podem ser conceituadas como “Tecnologias Sociais” (TS). Neste cenário, o objetivo principal desta pesquisa é investigar a presença dessas tecnologias em experiências autogestionárias de habitação, analisando como elas podem promover a sustentabilidade dos empreendimentos e de seus beneficiários e sua relação com a cidade. Para aprofundar a investigação, selecionamos uma experiência em especial: o Projeto Junção, localizado na cidade de Rio Grande, RS. A hipótese é de que experiências autogestionárias facilitam o uso bem-sucedido de tecnologia social gerando, por consequência, sustentabilidade. Analisando diversas pesquisas que tiveram como foco a autogestão habitacional no Brasil é possível perceber a presença de determinados atores e agentes. Com efeito, estes foram decisivos para o sucesso dos empreendimentos, não sendo, portanto, aleatória a sua recorrência. Mais especificamente, podemos citar a atuação das prefeituras como facilitadoras e até mesmo propositoras dos empreendimentos e as assessorias técnicas, que prestam suporte aos grupos proponentes. Em alguns casos, ocorrem parcerias com Universidades, através de ensino-pesquisa-extensão, com várias frentes de trabalho para, por exemplo, a regularização fundiária, organização do trabalho coletivo e experimentação de tecnologias alternativas na construção civil, infraestrutura urbana e agroecologia. Portanto, é a partir desse contexto, que une elevado déficit habitacional, um número expressivo de habitações precárias e construções associadas a problemas ambientais, que surge a necessidade do estudo de experiências inovadoras, a fim de encontrar alternativas para equacionar tais questões. Entre as opções existentes, as TS apresentam-se como soluções, trazendo alternativas simples e efetivas para questões diversas. Por sua simplicidade, nem sempre são consideradas tecnologias, sendo vistas apenas como boas práticas que, sem envolvimento governamental, dificilmente terão escala e amplitude social significativa, tornando-se somente experimentos isolados. Porém, o seu acúmulo tem servido como forma de replicar as ações em outros locais, como é o caso do objeto de investigação desta pesquisa. O Projeto Junção se constituiu em um empreendimento que envolve 1.276 famílias, com renda de até R$ 1.600, as quais passarão a morar em uma área central da cidade. Através do projeto, estão sendo construídas casas e apartamentos sob o formato de produção autogestionária. O projeto envolve, conjuntamente, cinco cooperativas habitacionais, oriundas da Região Metropolitana de Porto Alegre, e que já construíram moradias através do Minha Casa Minha Vida Entidades, sendo habilitadas e requalificadas pelo Ministério das Cidades para atuação em área urbana. O município atuou convidando as cooperativas e apresentando às famílias – que estavam na fila de espera para os programas de financiamento para moradia – a proposta de produção através da autogestão. A partir de então, vêm sendo construída, entre os participantes, a formação dos ideais do cooperativismo e da participação, algo pouco presente na região. O Projeto, por sua localização, visa conectar as moradias à cidade, diferenciando-se da produção via mercado, onde os empreendimentos voltados às classes de mais baixa renda se localizam nas periferias devido ao valor do solo urbano, e mesmo de outros empreendimentos autogestionários, que não conseguiram inverter essa lógica. A principal forma de relação entre as cooperativas e os beneficiários ocorre através das atividades do Trabalho Técnico Social (TTS), que consiste em, primeiramente, realizar o diagnóstico social, identificando a realidade das famílias a serem beneficiadas e, posteriormente, a aplicação de um conjunto de ações educativas, planejadas para a promoção social, desenvolvimento comunitário e sustentabilidade do empreendimento. Estas ações ocorrem através de oficinas e cursos com objetivo de qualificação profissional e geração de trabalho e renda. Desta forma, o TTS acompanha todas as fases do empreendimento, desde os estudos preliminares até a pós-ocupação, com objetivos e ações especificas para cada uma das etapas. Portanto, a TS, além de cumprir seu papel na produção das habitações, promove transformação social aos beneficiários, permitindo o envolvimento e a apropriação do conhecimento, não sendo apenas uma alternativa menos custosa. Não à toa, tais questões são abordadas nas diretrizes do Entidades que orientam priorizar soluções arquitetônicas que valorizem as características regionais, ambientais, climáticas e respeitem especificidades culturais, modos de vida, estrutura familiar e forma de ocupação do território. No caso do Projeto Junção, inicialmente, as moradias construídas deveriam ser casas horizontais, não sendo possível a tipologia de apartamentos com mais pavimentos. Isto porque o agente financiador questionou o fato de as cooperativas não possuírem capacidade técnica para a construção dos prédios. Para contornar esse problema e viabilizar a construção da tipologia, foram pensadas soluções que diminuíssem o custo, porém, mantivessem a qualidade construtiva como, por exemplo, a utilização de formas de madeira, para o concreto moldado em bloco, sistema inovador que substituí as formas metálicas, possibilitando a construção de torres com 1.120 apartamentos. Após o término das obras, por ter uma configuração aberta, uma população de cerca de 4 mil pessoas irá se integrar organicamente ao entorno. Neste sentido, também coube às cooperativas o papel de inclusão ao território onde já residiam diversas famílias. Como o terreno foi cedido pelo poder público federal ao empreendimento a ideia é realizar parcerias para regularização das moradias do entorno. Como desdobramentos deste estudo, procuraremos mensurar o real envolvimento dos beneficiários finais nessas práticas, bem como se há efetiva possibilidade de serem replicadas para além do Projeto Junção. Por sua vez, pretendemos verificar como essas novas tecnologias podem contribuir para um caminho econômico sustentável, configurando-se como alternativa à perspectiva individualista, promovendo e fortalecendo um processo coletivo e solidário, percebendo a autogestão não somente no que diz respeito à moradia, mas mudando consideravelmente a relação dos habitantes com a cidade.